sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Psicologia dá uma chinelada no Marketing

Como uma das mais bem-sucedidas campanhas publicitárias de todos os tempos transformou algo feio e desconfortável no sonho de consumo de todas as tribos e classes sociais.

Neste final de semana, passeando pelo bucólico Centro de São Paulo, encontrei algo que fez parte da minha adolescência e que, por motivos que veremos adiante, ficou abandonado no limbo até então. Trata-se do saudoso chinelo Kenner.

Alguns modelos do Kenner
O Kenner é um chinelo naquele formato antigo, meio prancha, mas que não deixa o seu calcanhar no chão, como as Havaianas.

As tiras são de lona (e não daquele material duro que arranca a sua pele) e nunca, nunca soltam. Não bastasse isso, a borracha onde você pisa mais parece uma espuma e a sensação é semelhante a pisar na areia.

Ora, mas se o Kenner é tão melhor assim do que as Havaianas, porque há tanto furor em torno deste chinelo vagabundo? Ora porque, resumidamente, você é um maria-vai-com-as-outras. Se preferir o termo científico, segundo o psicólogo americano Robert Cialdini você foi vítima do poder do Consenso - uma das seis armas de Influência estudadas por ele.

Convenhamos: quinze anos atrás as Havaianas eram o calçado preferido de porteiros e pedreiros. Sem desmerecer nenhuma das duas classes, não era exatamente o seu sonho de consumo.

Mas uma das mais espetaculares e bem-sucedidas campanhas de marketing de todos os tempos alçou a sandália ao status de objeto de desejo de todo mauricinho, playboy, descolado ou qualquer que fosse a alcunha escolhida.

Os comerciais mostravam as mais bem pagas celebridades calçando o chinelo em situações cotidianas, posando de pessoas comuns - como eu e você.

Cá entre nós: troço feio pra caramba, hein?
Então, desejando ser como o Marcos Palmeira, lá estava você comprando um par de Havaianas. E mesmo que você não desejasse ser como o Marcos Palmeira, você também não queria ser o único da sua turma sem uma Havaiana, não é mesmo?

Pouco depois, os europeus também quiseram ficar parecidos com o Marcos Palmeira e as Havaianas passaram a ser traficadas para o Velho Continente, cotadas a fantásticos € 20,00 em alguns balneários famosos - e perdulários.

Desde então, as sandálias Havaianas assumiram seu papel modernoso na sociedade - não só a baixa, mas também a alta. Tornaram-se um onipresente acessório, encontrável em padarias e bancas de jornal de todo o país. Lojas próprias foram abertas, da remota Vila Mascote à reluzente Oscar Freire.

A eficácia da campanha apóia-se no nosso desejo de pertencer a um grupo, ser parte de uma coletividade e isso faz-se, justamente, imitando o comportamento alheio. Usando os conectores certos - como diria Malcolm Gladwell em The Tipping Point* - a moda espalha-se viralmente, como rastilho de pólvora.

E, num belo dia, todos estão usando Havaianas. Se você ainda não estiver, vai sentir-se fora do grupo. Aí vai na padaria e compra a sua.

Independentemente da roupagem que o Marketing dê, ou de que celebridade estrele a atual campanha, nada muda o fato de as Havaianas continuarem sendo horrorosas e desconfortáveis - já que há muito tempo deixaram de ser baratas.

Vá, por um momento deixe de lado as opiniões alheias e tenha a sua própria: o que uma sandália Havaiana tem de bonito? E por acaso ela é macia?

Mas, no fim das contas, dá para separar o Marketing da Psicologia?

* Lançado no Brasil pela Editora Sextante com o título de "O ponto da virada".

DISCLAIMER: o autor (até agora) não recebeu nada da Kenner por esse texto - muito menos das Havaianas. Pelo contrário, pagou R$ 59,99 por um par de chinelos.

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